Nunca é tarde para reescrever sua história
Aos meus 46 anos, tive câncer. Estava em uma época que me parecia maravilhosa. Formada há 20 anos, trabalhando feliz naquilo que tinha desejado toda a vida, dava aulas na minha especialidade, fazia palestras, consultório sempre com agenda cheia, fazia parte da diretoria da minha especialidade. Estava completamente realizada como profissional e pouco tempo sobrava para dedicar à minha vida social ou afetiva.
Então, de um exame de rotina, veio o diagnóstico: câncer de mama. Como assim? Estava feliz, realizada, comprometida, atendia meus pacientes com alegria. Parecia tudo perfeito! A vida parou. Exames e mais exames. Prognóstico? A Oncologista, que era minha amiga, não quis me tirar as esperanças, apenas disse que as minhas chances de sobreviver eram as mesmas de ganhar a Mega-sena acumulada e sozinha. Quantas pessoas ganham? Ganhei.
Primeiro veio a luta diária. Cirurgia gigante, retirada radical das mamas, com esvaziamento axilar, reconstrução com os retos abdominais e colocação de prótese. Na sala de recuperação lembro de ter pensado, “será que se morre de tanta dor?”. Segui em frente. Quimioterapia, radioterapia, fisioterapia, cada dia uma aventura, uma surpresa. Uma viagem à escuridão. Mas dentro de mim, uma certeza: com a força da minha vontade de viver e Fé inabalável, que sempre tive, eu vou viver. Depois as revisões de dois em dois meses, sempre com o aparecimento de algum problema.
Mas o tempo foi passando e dentro de mim, eu tinha tomado a decisão de viver. Fora de mim, ninguém poderia lutar, só eu. Em uma das minhas internações - por complicações -, fechei meus olhos, olhei pra dentro do meu coração, onde reside todas as minhas crenças e rezei com toda a minha intensidade. Me entregando para aquilo que fosse de meu merecimento, mas que se eu pudesse fazer uma escolha, seria viver. Isso se eu tivesse alguma coisa boa para fazer, para melhorar o meu pequeno mundo, onde convivo e as pessoas que dele fazem parte. De repente, percebi que estava completamente em paz. A dor tinha cessado. Todos os exames não foram conclusivos. Tive alta hospitalar e continuei a minha luta.
Os anos foram passando, tudo foi ficando pra trás, menos a minha Fé, nunca abalada. Não consegui mais voltar para o consultório, nem para minha antiga vida. E isso foi o grande aprendizado. Abri mão do título, do dinheiro, do poder, daquilo que conhecida, pois é impossível querer curar-se voltando para vida que o adoeceu. Eu não entendia, mas tinha conhecimento que se não mudamos não sobreviveremos. E o que fazer? Viver.
Câncer é um diagnóstico de um momento de vida, um sinalizador, “UM CHAMADO DE VIDA”. É uma doença crônica que vai se desenvolvendo lentamente, nos dá tempo de pensar, sentir, escolher, tratar. E mais ainda, o câncer é um ritual de passagem. Mudamos o olhar, tudo fica mais bonito e intenso. O verde, o colorido das flores, o canto dos pássaros, o calor do sol, os afetos, os sabores, tudo. E mais, desaparecem as necessidades do ter e aprendemos o ser.
Cada abraço é melhor de sentir, de acolher. As conversas, os amigos, a Oração, a Vida. Tudo começa a fazer sentido. O amor dentro de nós se torna tão grande, que tem que ser dividido e o dividindo se torna maior. Assim comecei a buscar o que fazer para espalhar minha experiência, meu amor, minha alegria de viver.
Infelizmente eu estava surda, cega, alheia à vida. Precisei de uma experiência de quase morte para ver que eu vivia uma quase vida. Foi extremamente doloroso, morreu uma parte de mim, mas com o Ritual de Passagem comecei a dizer “nãos”, escolher melhor as pessoas para meu convívio, o que realmente desejaria fazer. Aprendi a me ouvir e a não calar. Gratidão Pai, e agora, passados 15 anos, meu maior desejo é viver o meu Propósito de vida.
Gratidão por tudo o que me ensinastes.
Gratidão por poder dividir a minha experiência.
Gratidão pela Vida e por Estares dentro de mim.
Carmem Garcia